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As raízes da Independência do Brasil.



Michael Winetzki, MI, 33, da AMVBL

 

Neste ano em que se comemoram os 200 anos da Independência do Brasil, a imagem mais recorrente é a de D. Pedro I escalando a íngreme e escorregadia Calçada do Lorena, a  estrada entre São Paulo e o litoral  e parando de vez em quando para aliviar-se de suas incômodas cólicas intestinais, conforme conta o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo, que viajava  com a comitiva e anotou que a disenteria do príncipe, " forçava-o a apear-se da montaria a todo o momento “para prover-se”.  

Já no planalto, em uma colina próxima ao Riacho Ipiranga, ao receber dos mensageiros da Corte, os militares Paulo Bregaro e Antonio Cordeiro,  os documentos enviados por seu pai,  por José Bonifácio,  pelo agente a seu serviço em Lisboa, Chamberlain e por sua esposa Leopoldina, fez ler as cartas em voz alta  e a medida que isto ocorria D.Pedro dava sinais de que ficava cada vez mais nervoso. 

Então a história passa a ser contada através do depoimento do Padre Belchior Pinheiro de Oliveira, que leu a correspondência: - “ D. Pedro, tremendo de raiva, arrancou os papéis de minhas mãos e amarrotando-os, pisou-os deixando-os no chão...Depois virou-se para mim e disse: - E agora... Eu respondi...- não há outro caminho senão a independência e a separação!. 

- Padre Belchior, - disse o Príncipe - eles o querem, terão a sua conta. Os cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações. Nada mais quero do governo portugues e viva a liberdade do Brasil. 

… Pedro virou-se então para o ajudante de ordens e disse: - Diga a minha guarda que acabo de fazer a independência do Brasil, com a separação de Portugal”... Pelo meu sangue, pela minha honra, juro fazer a liberdade do Brasil,..Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será o dístico Independência ou Morte e as nossas cores verde e amarelo em substituição às das Cortes” 

 

As Guerras Napoleônicas e a fuga da Família Real

 

Porém o processo que culminou com a Independência teve início pelo menos duas décadas antes, na Europa, com as Guerras Napoleônicas. Napoleão foi conquistando um a um os países da Europa, formando um vasto Império, com exceção da Inglaterra, cujo poder naval era muito superior em força e número ao do imperador francês. Portugal, um país pequeno, porém com muitas colônias ultramarinas e ativo comércio era um aliado preferencial da Inglaterra, cujo armada protegia as naves mercantes lusitanas.  

Na tentativa de forçar a submissão da Inglaterra, Napoleão decretou o “bloqueio continental” obrigando as nações europeias a cessarem ou não estabelecerem comércio com os britânicos. Portugal se recusa e se torna alvo para a invasão pelas  tropas de Napoleão. Este tentou invadir Portugal por três vezes, entre 1807 e 1810 e em todas elas acabou por ser derrotado. 

Havia um plano adrede preparado para a fuga da família real, D. Maria I, a louca, o Príncipe Regente D. João  e os seus filhos, príncipes D. Pedro e D. Miguel,  com praticamente todo o seu governo, se as tropas de Bonaparte viessem a invadir Portugal. Conta-se que quando o General Junot finalmente chegou a Lisboa, ainda pôde ver ao longe os 16 navios portugueses, escoltados pela marinha inglesa, rumo ao Brasil. Entre dez e quinze mil pessoas, com seus documentos, móveis, alfaias e bens de valor, todo o tesouro do país embarcaram confusa e apressadamente nos navios, zarpando no dia 29 de novembro de 1807. Muitos perderam o embarque e ficaram no cais observando as naus ao longe e se diz que daí surgiu a expressão - “ficaram a ver navios”

A Real Biblioteca devido ao seu volume e peso (cerca de 70.000 volumes) foi “esquecida” no cais do porto. Os franceses não lhe deram maior importância e ela só foi despachada para o Brasil em três embarques a partir  de 1810, e aqui deram origem à Biblioteca Nacional.

A frota chegou a Salvador no início de março de 1808, e a primeira e muito importante medida de D. João, foi o decreto de abertura dos portos às nações amigas, o que inseriu o Brasil Colônia na comunidade econômica mundial, favorecendo os comerciantes brasileiros e ingleses e acabando com o monopólio do comércio com Portugal, o que desagradou profundamente aos portugueses estabelecidos.  

A presença da Família Real no país também favoreceu a economia, a educação e a cultura, com a fundação do Banco do Brasil e a construção de bibliotecas, escolas de nível superior, casas de espetáculos e atividades culturais de toda ordem.  

 

A Revolução do Porto e o regresso de D. João VI

 

O rei buscava modernizar a Colônia e  em dezembro de 1815 emitiu o decreto que criava o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. No mesmo ano ocorre a queda de Napoleão e o clima político tanto no Brasil, quanto na Europa,  sofre grandes mudanças. O aumento dos impostos para a manutenção da Corte no país gera grande insatisfação e ocorrem conflitos pontuais como a Revolução Pernambucana, violentamente reprimida por D. João VI em 1817. 

Portugal vivia em grave crise política e profunda crise econômica tanto pelos problemas causados pelas invasões franceses como pela ausência da Família Real, o que deixava o país acéfalo. Enquanto que no Brasil, muito maior em extensão e com maior população, a abertura dos portos havia enriquecido sobremaneira a classe de produtores rurais. A nação comercializava livremente e era um dos maiores produtores mundiais de café, açúcar, tabaco e algodão. Favoreciam essa produção cerca de um milhão e meio de escravos para uma população total de pouco mais de quatro e meio milhões de habitantes.

   Políticos conservadores portugueses defendiam  o fim do Reino Unido,  o retorno do Brasil à condição de colônia, e o restabelecimento do monopólio comercial de Portugal sobre o Brasil. As elites portuguesas se ressentem das perdas econômicas causadas pela abertura dos portos no Brasil, e também com o comando militar e político do país nas mãos de um militar inglês, o Marechal William Carr Beresford, um dos responsáveis pela expulsão das tropas francesas de Portugal. 

 Em 1820 eclodiu a Revolução do Porto, movimento militar inspirado em idéias liberais levadas pela maçonaria europeia, que foi o verdadeiro estopim para a Independência do Brasil. Uma das suas principais reivindicações era o retorno do Rei a Portugal e o estabelecimento de uma monarquia constitucional, como a inglesa. Com a Revolução Liberal do Porto foi criada uma instituição chamada de Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, que tinha por objetivo redigir uma Constituição para Portugal e suas colônias. Marcam-se então eleições para as Cortes Gerais, que iria eleger os deputados para elaborar a Constituição. 

Em 1821, fortemente pressionado pelas Cortes Gerais e ameaçado de perder o trono, D. João VI, retorna a Portugal e deixa seu filho, Pedro de Alcântara como regente. Em notável premonição diz ao filho: - “Pedro, se for para perder o Brasil que seja para ti e não para esses aventureiros”. Ao partir, D. João VI leva consigo praticamente todo o tesouro do Brasil. Também aprova a Constituição que reduzia o seu poder A partir do mesmo ano as províncias brasileiras deveriam eleger deputados às Cortes, bem como receber instruções sobre a Constituição. Não era unânime o apoio das províncias brasileiras a essas novas medidas e as classes produtoras e políticas, intelectuais e militares,   passaram a discutir abertamente a ideia da Independência e da soberania da nação. 

 

 A ação da Maçonaria

 

Muitos filhos de famílias abastadas ou da nobreza haviam estudado em Universidades europeias, em Portugal, Inglaterra ou França e tiveram contato estreito com as ideias liberais e libertárias pregadas pela maçonaria. 

Existiam Lojas Maçônicas no país desde o século 18, que resguardados por seu manto de discrição participavam de movimentos nacionalistas como a Inconfidência Mineira. Em 17 de junho de 1822 é criado o Grande Oriente Brasílico, que rompe com o Grande Oriente Lusitano e que seria peça fundamental no convencimento do Príncipe Regente   para proclamar a independência. Em 02 de agosto de 1822 este é iniciado na Loja Comércio e Artes, adotando o nome de Guatimozin. Nesta Loja estavam, entre outros,  José Bonifácio de Andrada e Silva, Joaquim Gonçalves Ledo e  José Clemente Pereira que trabalhavam para obter o apoio de D. Pedro ao ideal da liberdade. 

  Estes mesmos líderes maçons e a enorme mobilização popular, com milhares de assinaturas além do firme apoio da Princesa Leopoldina   foram os responsáveis por convencer D. Pedro a ficar no Brasil apesar da contínua pressão das Cortes solicitando o seu regresso. No dia 9 de janeiro de 1822, no Paço Imperial, ele declarou: - Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto, Digam ao povo que fico!”

O oficial português Jorge Avilez Tavares, Governador de Armas do Rio de Janeiro, mobilizou 2.000 soldados em Niterói para obrigar o Príncipe Regente a retornar a Lisboa. Pedro I, ciente do motim, enviou  dez mil soldados que cercaram e renderam os amotinados e enviou Avilez de volta a Portugal. 

 

Os Manifestos de Agosto de 1822 

 

Gonçalves Ledo e José Bonifácio, dois dos mais importantes líderes políticos e maçons do país redigiram manifestos em prol da causa da Independência, que se tornaram conhecidos como os Manifestos de Agosto.  Porém cada um destes textos, embora concordassem com a causa comum da liberdade apresentavam visões políticas radicalmente opostas para a nação independente. A maçonaria já estava dividida em Maçonaria “Azul”, de Bonifacio, monarquista e constitucionalista, e Maçonaria “Vermelha” de Ledo, republicana e constitucionalista.

Em 1º de agosto, Gonçalves Ledo publica o seu, deixando claro o desejo de seu grupo de completa ruptura com a Coroa Portuguesa e da criação de uma república, à semelhança de todas as nações da América do Sul que haviam se tornado independentes antes do Brasil.  

Seis dias depois, José Bonifácio publica o seu manifesto, que embora também pregando a Independência,  defendia um Brasil com regime monárquico, politicamente mais estável, à semelhança das monarquias europeias e distante da confusão que eram as recém criadas repúblicas sul americanas. 

 

O decreto de Independência 

 

A situação política era efervescente, o clima tanto no Brasil como em Portugal era muito tenso. Falava-se abertamente em revolução e guerra. D. Pedro decide ir a S. Paulo buscar apoio dos ricos produtores agrícolas e exportadores do Vale do Paraíba e de São Paulo. Partiria em 13 de agosto e pretendia permanecer por lá, mantendo contatos, até a primeira semana de setembro e para isso nomeou a sua esposa, Leopoldina da Áustria, como Chefe de Estado e Princesa Regente interina do Brasil. Era a primeira vez que uma mulher ocupava um cargo de tal importância no hemisfério ocidental, mas que dava uma prova do respeito que D. Pedro tinha pela inteligência e caráter de sua nobre esposa.

No dia 20 de agosto de 1822, em sessão extraordinária conjunta das Lojas Maçonicas “Comércio e Artes” e “União e Tranquilidade” no Rio de Janeiro, o 1o. Vigilante, Joaquim Gonçalves Ledo assume o malhete, devido a ausência do Venerável Mestre, José Bonifácio, e profere um discurso mostrando a necessidade da Independência e pedindo o apoio dos irmãos. A adesão foi unânime. Esse apoio foi fundamental para D. Pedro após a proclamação pois os maçons representavam a elite social, política e econômica do país, e embora muitos fossem republicanos a necessidade de garantir a liberdade e unicidade da nação, os fez apoiar e manter o império brasileiro.

Neste ínterim as Cortes de Lisboa enviam mais um ultimato ao Príncipe exigindo o seu retorno a Lisboa. A Princesa Leopoldina convoca o Conselho de Estado, apresenta a questão e recebe o apoio de todos para finalmente formalizar a Independência. Em 2 de setembro a Princesa assina o decreto declarando o Brasil oficialmente separado de Portugal. Estes foram os documentos enviados ao futuro imperador em São Paulo, levados pelo oficial Antonio Bregaro, com a recomendação expressa de José Bonifácio: - “Se não arrebentar uma dúzia de cavalos no caminho, nunca mais será correio; veja o que faz”.

O resto da história todos conhecemos.

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