Domingos José Martins (Panegírico)
- Mario Vasconcelos
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Mario Cristino Bandim Vasconcelos
Cadeira nº 53
Domingos José Martins, nasceu na Província do Espírito Santo, na localidade denominada Quarteis, próxima de Marataízes, no município de Itapemirim, na provável data de 09 de maio de 1781.
Filho de Joaquim José Martins, capitão de milícias, também capixaba, e da baiana Joanna Luíza de Santa Clara Martins.
Teve sete irmãos dos quais um cerrou fileiras com ele na Revolução Pernambucana de 1817 e o outro lutou na Confederação do Equador, em 1824.
Foi iniciado na Ordem Maçônica, em Londres, pelas mãos de dois grandes e expressivos Irmãos, Hipólito José da Costa, que viria a ser o patrono da Imprensa Brasileira e Francisco de Miranda, considerado o precursor da independência na América Espanhola e iniciado em 1780, na Loja América, nos Estados Unidos, por ninguém menos que George Washington.
Fica patente a genealogia idealista e libertária deste que sonhava com um Brasil Republicano livre do jugo português e que, por 74 dias, conseguiu realizar este sonho. Sonho este que, infelizmente, transformou-se no pesadelo de seu martírio e de outros heróis da Pátria.
Segundo GURGEL(2007), trata-se do “maior vulto da luta republicana no Brasil” e não é difícil de assim o considerarmos se tomarmos contato com seu protagonismo na Revolução de 1817, também conhecida como Revolução dos Padres ou, mais tristemente, como A Revolução Esquecida. Sim! Este grande mártir de nossa Pátria, primeiro herói capixaba, ainda não ocupa seu justo e merecido lugar na memória de nosso povo.
Sua liderança fez tremer os pilares do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e, apenas por uma infeliz conjunção de fatores adversos, a República Brasileira não conseguiu emergir.
Ele foi o catalisador do conjunto de fatores agravantes que ao longo de décadas gestaram o espírito libertário, quais sejam: povo sofrido com a grande seca de 1816 e carestia crescente, impostos que levavam os mirrados ganhos do povo para o conforto da corte no Rio de Janeiro, privilégios flagrantes nas forças armadas em favor dos portugueses e em detrimento dos brasileiros, pressões abolicionistas internas e externas e outros tantos ingredientes que concorreram para o aumento da temperatura social.
Domingos José Martins, cujo nome muito merecidamente está gravado no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria[1], foi a liderança altaneira e destacada do movimento. Seu espírito jovialmente enérgico e destemidamente empolgante foi objeto de nota até mesmo pelos que não lhe nutriam tanto apreço.
Antônio Henriques, ao libertá-lo da prisão no dia 06 de março, declara: “Martins, nosso amigo, nosso pai, nosso libertador, desce que estamos todos prontos a derramar sangue por ti.” (QUINTAS, 1985).
E QUINTAS prossegue:
Domingos Martins tinha qualidades que, se não fossem prejudicadas pelo seu excessivo e utópico idealismo, tê-lo-iam feito um completo e perfeito condutor de homens. Possuidor de irradiante simpatia pessoal, com uma grande facilidade de incutir calor e entusiasmo aos que privaram de sua companhia, detentor daquela tendência que existe nos espíritos diretores de provocar grandes dedicações e grandes aversões, era, também, Martins homem de “grande firmeza de ânimo porque ao ser preso a 6 de março, mostrou coragem, e no momento de sua libertação manifestou tanto sangue-frio quanto energia correndo e chamando às armas”
É ponto pacífico na historiografia nacional que Martins seria uma grande e marcante liderança na trajetória de nosso Brasil. Não fora a deflagração precipitada do movimento ou eventuais discordâncias no seio do Governo Provisório Revolucionário, talvez o dia 07 de setembro fosse, hoje, um dia qualquer e a libertação da Pátria seria comemorada em 06 de março. Nunca saberemos.
Acerca desta “predestinação” política e forte personalidade, assim se manifesta Amaro Quintas:
Domingos José Martins, que não era certamente uma figura banal, estava fadado a exercer grande papel na nossa evolução histórica se a precocidade do movimento não o tivesse aniquilado. Se o seu idealismo tivesse sido mais objetivo e menos alvoroçado e utópico. Se em algum lugar daquele entusiasmo muito juvenil tivesse agido com uma energia mais calculada e menos generosa. Se, ao invés dos arrebatamentos em copiar as figuras da Revolução Francesa, tivesse sido mais frio e vigilante na organização defensiva da República e repressora dos elementos suspeitos, certamente teria realizado a missão histórica que o Brasil esperava.
Mas fazendo um exercício imaginativo hodierno, longe do clima tenso e traiçoeiro das reuniões secretas e tratativas executadas nas sombras e sob a ameaça constante da rigorosa punição real, como podemos recriminar estes arroubos em um coração efervescente de juventude e sede de liberdade? Ainda mais! Um coração tomado pela paixão não só idealista, mas devotado à sua eleita, Maria Teodora, companheira e apoiadora de suas lutas.
Observando daqui, deste tempo, passados séculos, torna-se difícil a contextualização com a realidade de um Brasil fervilhando pelo sofrimento do povo e pelas injustiças flagrantes, frutos do jugo lusitano.
Certamente o generoso coração de Domingos José Martins pode tê-lo traído, mas por excesso de confiança em alguns de seus pares, pelo seu caráter humanitário de desejar ver a excrescência que era a escravização de pessoas eliminada de pronto, quando alguns interesses não nutriam o mesmo objetivo. Desejo de ver o povo brasileiro alçado ao seu justo lugar de importância frente a tantos favorecimentos aos portugueses. Desejo de reduzir as desigualdades entre os nativos de nosso torrão, cujo sofrimento e sacrifícios custeavam o conforto de seus opressores.
Seu desprendimento e, podemos dizer, “humanidade a flor da pele” chegava a causar espécie até mesmo em correligionários quando andava, às vésperas do deflagrar revolucionário, lado a lado com negros escravizados e mulatos.
Por outro lado, seu relacionamento com significativa parcela da sociedade recifense era singular e fruto de sua valiosa rede de contatos entre Brasil, Portugal e Londres. Senão vejamos o que nos diz BIGOSSI (Apud. BERNARDES, 2006):
Se representássemos graficamente a posição de Domingos José Martins, na teia de sociabilidade política do Recife entre os anos 1815 e 1817, ele aí ocuparia lugar central e estaria também na interseção de diversos outros círculos [...] Suas passagens por Recife e seu estabelecimento a partir de 1815 intensificaram a teia política nucleada a partir da maçonaria e de outros tipos de sociabilidade menos formais e esotéricos. [...] A existência desta rede de sociabilidade, cuja visibilidade foi tal a ponto de ser percebida pela “opinião pública”, não encontra paralelo, no período, em nenhuma outra província do Reino Unido. Nem no Rio de Janeiro, nem na Bahia, para citar cidades costeiras e, portanto, com mais condições de circulação de pessoas e informações.
À medida que mergulhamos na história deste ilustre capixaba, mais percebemos sua inquietude e a diversidade de searas nas quais trabalhou pela nossa liberdade. Apesar da historiografia moderna ainda carecer de documentos incontestes, é fácil perceber sua atuação na disseminação da Maçonaria por onde passou. Além da fundação de Lojas, foi também responsável pela disseminação de material escrito (Rituais por exemplo) que viriam a consolidar o alicerce dos trabalhos maçônicos e, consequentemente, o estreitamento de laços entre Irmãos, muitos deles clérigos. Senão vejamos:
Apesar da interceptação do equipamento tipográfico enviado por Hipólito da Costa, bem como do trazido por Borges de Barros, os primeiros ritos maçônicos impressos em língua portuguesa foram introduzidos clandestinamente com sucesso, em alguma medida por diligência de Domingos José Martins, para uso dos membros do primeiro Grande Oriente do Brasil (1813-1817), em Salvador e no Recife (MAGALHÃES, 2023).
Suas articulações com maçons portugueses na Inglaterra resultaram, em 1810, na vinda de dois prelos para a Tipografia de Manoel Antônio da Silva Serva para Salvador e, por estes caminhos, viabilizar a impressão dos três volumes do Compêndio das Instruções Maçônicas para uso do G:.O:.B:.”, os quais, segundo Pablo Antônio Iglesias Magalhães, teriam sido “distribuídos entre os pedreiros-livres iniciados na Bahia e Pernambuco” e constituiriam a principal e material prova da existência de um Grande Oriente do Brasil nos tempos coloniais[2].
Esta modesta infraestrutura tipográfica veio a servir também para a disseminação de ideais revolucionários a despeito do analfabetismo dominante em cerca de 70% da população (livre e escravizada).
Não poderíamos deixar de mencionar também a influência de inúmeros religiosos que, egressos dos centros de pensamento europeus, traziam aos seus educandos o brilho humanitário dos pensamentos iluministas.
A REVOLUÇÃO DE 1817
Após extenso planejamento e coordenação com outras províncias em busca, sim, de um movimento de independência nacional e não separatista como defendem alguns historiadores, nosso herói teve de lidar com uma delação que deflagrou a revolta precipitadamente, com um Gabinete Revolucionário Provisório que não estava totalmente homogêneo em seus objetivos, com um contingente militar majoritariamente precário, destreinado e mal armado e com outros reveses que se interpuseram entre o grito de “Viva a Liberdade”, ao sexto dia do mês de março de 1817, e o sonho de uma República Brasileira estabelecida.
Neste ínterim imaginamos quão forte bateu o coração de nosso patrono. Decretos foram emitidos para saneamento de diversas urgências, desde redução de impostos a regulação do soldo da tropa. Nossa pátria teve sua própria bandeira, uma Lei Orgânica extremamente bem redigida que foi a primeira semente constitucional brasileira e até mesmo emissários enviados aos Estados Unidos e Inglaterra em busca de reconhecimento e apoio.
Em meio ao calor dos fatos cogitou-se até mesmo um resgate de Napoleão Bonaparte e seu transporte ao Brasil, possibilidade esta que foi objeto de tratativas do embaixador brasileiro Antonio da Cruz “Cabugá”, além de sua missão principal: adquirir armas e tropas para o reforço nas fileiras militares republicanas. Reforço este que chegou ao Brasil tarde demais.
A reação da corte foi das mais implacáveis. Após o bloqueio do porto do Recife, execuções sumárias, prisões e combates em campo aberto onde centenas de patriotas deixaram seu sangue, Domingos José Martins foi preso com suas tropas e outros líderes da revolução. Após 74 dias de pátria livre, estava encerrado (ou melhor, adiado) o sonho do Brasil Independente.
Sua execução e de outros Patriotas, deu-se em uma manhã nublada de 12 de junho.
(...) as portas da cadeia da Bahia se abriram e, descalço e algemado, Domingos Martins foi então obrigado a caminhar em direção ao Campo da Pólvora, onde seria executado. “Vinde executar as ordens de vosso sultão; eu morro pela liber…” Não pôde terminar o que ia dizer, já que foi empurrado porta a fora. Conta-se que um padre se encarregou de fazê-lo calar. Às 15 horas daquele dia, Domingos José Martins era arcabuzado (fuzilado na linguagem de hoje) com “aquele aparato fúnebre e de terror que o fato pedia”. (GURGEL, 20007). Grifo do autor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De tudo acima exposto, uma pálida visão da grande obra deste homem, parece-nos coerente afirmar que o legado, o patriotismo, a vibração, coragem e espírito de sacrifício deste nosso mártir tiveram reflexos indeléveis no processo de independência nacional. Hoje ele é patrono da polícia civil do Espírito Santo, batizou um município na região serrana capixaba, é nome de ruas, praças e escolas em todo território do Espírito Santo, mas a história permanece em profundo débito para com este grande brasileiro, ou, como chamavam-se uns aos outros em plena República de 1817, patriota.
O ainda enorme desconhecimento de sua existência e seus feitos por parte de nosso povo e a insignificância da Revolução de 1817 nos planos pedagógicos de nossa juventude precisam ser reparados.
Honrar o nome de Domingo José Martins como patrono da cadeira número 53 da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras é, para nós, um dever cultural e patriótico. Uma pequena pedra a compor esta grande obra de reconstrução da memória deste importantíssimo vulto da história pátria.
E finalizamos com as palavras de nosso patrono, manifestas na clausura de seus últimos momentos, antes da execução da pena capital, em um soneto sobre o qual dispensamos comentários, preferindo um respeitoso silêncio ante a figura deste que deu sua vida pela liberdade.
Soneto do Patriota[3]
(Domingos José Martins)
Produzido na prisão, antes de ser executado
Meus ternos pensamentos, que sagrados
Me fostes quasi a par da liberdade,
Em vós não tem o poder a iniquidade;
A’ esposa voae, narrae meus fados
Dizei-lhe que nos transes apertados,
Ao passar desta vida á eternidade,
Ella d’alma reinava na metade,
E com a patria partia-lhe os cuidados.
A patria foi o meu nume primeiro,
A esposa depois o mais querido
Objecto de desvelo verdadeiro;
E, na morte entre ambas repartido,
Será de uma o suspiro derradeiro,
Será de outra o último gemido.
Referências Bibliográficas
BARRETO, C. X. P. Discurso pronunciado na sessão de fundação do . SONETO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO ESPÍRITO SANTO. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Vitória-ES, Ano I, vol. 01, p.19, jun. 1917. <https://ape.es.gov.br/revista-do-ihges>. Acessado em 29/04/2014.
BIGOSSI, B. BREDA. DOMINGOS JOSÉ MARTINS: a invenção de um herói para os capixabas no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Dissertação de Mestrado em História - Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais. Vitória - ES: 2018.
GURGEL, A. PÁDUA (Coordenador). DOMINGOS MARTINS. Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo; Vitória - ES: Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, 2007.
MAGALHÃES, P. A. I. A CABALA MAÇÔNICA DO BRASIL O Primeiro Grande Oriente Brasileiro: Bahia e Pernambuco (1802-1820).” Revista Do Instituto Arqueológico, Geográfico e Histórico De Pernambuco Vol. 70, 2017. <https://www.academia.edu/38445151/A_CABALA_MA%C3%87%C3%94NICA_DO_BRASIL_O_primeiro_Grande_Oriente_Brasileiro_Bahia_e_Pernambuco_1802_1820_>. Acessado em 26/04/2024.
MAGALHÃES, P. A. I. A CIRCULAÇÃO DOS PRIMEIROS RITOS MAÇÔNICOS MANUSCRITOS E IMPRESSOS NO BRASIL (1810-1836). Instituto de História/Universidade Federal Fluminense. Programa de Pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais (PPGCHS). 2023. <https://doi.org/10.1590/TEM-1980542X2023v290205>. Acessado em 28/04/2024.
QUINTAS, A. SOARES. A REVOLUÇÃO DE 1817. 2ª ed. - Rio de Janeiro: J. Olympio; Recife: Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - FUNDARPE, 1985.
[1] Lei 12.488, de autoria do Deputado Federal Maurício Rands e sancionada pela então presidente Dilma Russeff.
[2] Pesquisas no The Library and Museum of Freemasonry, em Londres, possibilitaram identificar um exemplar do Compêndio das Instruções Maçônicas para uso do G:.O:.B:.: recompilado por hum cavalleiro de todas as ordens maçônicas Adonhiramita azul. [London]: Impressão do Silêncio, Anno L. 3v; 12x7.5 cm. (MAGALHÃES, 2017).
[3] transcrito literalmente da fonte, inclusive mantendo-se o vernáculo da época.
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