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Uma breve história do grau de companheiro.

Atualizado: 14 de jun.


 



                                                                 

Michael Winetzki, MI, 33º

ARLS TRÍPLICE ALIANÇA 341 - GLESP, da AMVBL


         Tendo recebido a solicitação de apresentar um trabalho sobre o companheiro nesta sessão, decidi oferecer aos irmãos uma visão histórica do desenvolvimento deste grau a partir de sua origem na Idade Média.

         Embora desde sempre tenha existido a arte e a ciência da construção e temos inúmeras provas nas fantásticas obras da antiguidade, elas nada tem a ver com os construtores a quem chamamos de maçons operativos cuja história tem início no território que hoje é a Europa mas na época era um conglomerado de cidades estado e pequenos reinos por volta do ano 1000 (mil).

         Até o ano mil em toda aquela região as construções eram fundamentalmente em madeira, barata, abundante e fácil de manusear.  A unificação da Europa pelo imperador franco germânico Carlos Magno e a invasão normanda da ilha inglesa vieram a mudar o estado da sociedade e a criar uma nova arquitetura, que passou a ser chamada de normanda e evoluiu posteriormente para gótica. Todos os reis normandos a partir da conquista da Inglaterra em 1066 pelo rei normando Guilherme II foram grandes construtores.

         Carlos Magno também foi responsável pela disseminação das letras, artes e ciências herdadas dos romanos e dos gregos em mosteiros e abadias por todo o seu império.

         No século dez a Ordem de São Bento inicia a construção da Abadia de Cluny, na Borgonha, cuja importância no estabelecimento da civilização que viria a seguir foi fundamental. Durante mais de 150 anos de lá se irradiou o conhecimento nas artes, negócios e arquitetura, sob a direção dos sábios abades. Gerações de arquitetos foram formados na abadia, não só em construção, mas também em pintura, escultura, mosaico, engaste de pedras preciosas, caligrafia, enfim todas as artes possíveis que refletiriam nas magníficas obras dos séculos seguintes e na formação de milhares de artesãos (a expressão vem daquele que domina as artes).

         Os monges faziam os projetos, estabeleciam os planos e não raro metiam a mão na massa.  Porem com a crescente demanda para a construção de castelos, aquedutos, estradas e edifícios religiosos foi preciso buscar uma maior quantidade de trabalhadores que viriam a ser os chamados irmãos conversos, leigos obrigados aos votos de pobreza e castidade, dedicados a igreja, porem sem a formação que lhes permitiria tornarem-se padres. Daí em diante, segundo Aslan, foram criadas duas categorias de religiosos, os monges propriamente ditos, dedicados aos estudos e a vida espiritual e os conversos, responsáveis pelas tarefas manuais ou materiais.

         A Abadia de Cluny formou os mestres de obras que construíram mais de 1400 mosteiros, igrejas e catedrais por todo o Sacro Império Romano numa extensão que vai da Espanha a Hungria. Ainda não havia o título de arquiteto, que viria a ser criado apenas em 1563. Mas foi neste período que a arte e ciência da construção experimentou grande desenvolvimento com as experiências adquiridas e que foram criadas as condições e regulamentos que viriam a profissionalizar os trabalhadores em pedra que dariam origem ao que chamamos de maçonaria operativa.

         No século 11 mais de 5.000 igrejas foram construídas na Inglaterra em pedra e todo o país foi recheado de igrejas, mosteiros, catedrais e abadias. Quem podia trabalhar com pedras, foi muito requisitado. Era mão de obra sem qualificação, analfabeta, católica por obrigação, sujeita a condições terríveis de trabalho, desde o nascer do sol até o seu ocaso.

         Muito mais obras foram executadas na França onde foram levantadas 80 catedrais, 500 grandes igrejas e dezenas de milhares de igrejas paroquiais. Algumas das torres das catedrais atingiram alturas equivalentes a 30 ou 40 andares.

         Mais ou menos nesta época surge simultaneamente em vários pontos da Europa a ideia de associações ou confrarias, que receberam o nome de gegilden nas tribos germânicas e frith guild entre bretões. Dentre os trabalhadores, além dos mestres de obras havia grupos privilegiados, aqueles de trabalhos especializados como esculturas, vidraceiros, marceneiros e poucos outros. A imensa maioria era dedicada ao duro trabalho de martelar, carregar e assentar pedras.

         O código de Hamurabi, promulgado na Babilônia há mais de 4.000 anos já dividia a hierarquia do trabalho em mestres, operários (que hoje chamamos de companheiros) e aprendizes. Esta também é cadeia hierárquica de universidades inglesas como Oxford e Cambridge e outras por todo o mundo: master, fellow e entered apprentice.

         O aprendiz, dos 10 até os 16 ou 18 anos, sujeitava-se as mais brutais condições de trabalho em troca de escassa comida e um pobre leito apenas pelo privilégio de aprender uma profissão que lhe proporcionaria um bom futuro. Muitas vezes da família do mestre, ou quando não, sua família deveria pagar ao dono da oficina para mantê-lo no aprendizado, como se faz nas escolas atuais.

         Terminado o período de aprendizado, que variava de 7 a 12 anos, dependendo da profissão, e geralmente após prestar um exame perante outros trabalhadores experientes ele passava a ser empregado assalariado e recebia a denominação de companheiro (cum panis), aquele que compartilhava o pão, numa referência expressa a Santa Ceia de Jesus Cristo. Também fazia um juramento de guardar os segredos do ofício. Mesmo quando o trabalhador sucedia ao pai como chefe da oficina não estava isento da prova de habilidade no serviço.

         Mais ainda, para tornar-se companheiro era necessário provar ter sido aprendiz. De modo geral só se aceitava se o aprendizado tivesse sido na mesma cidade onde se está solicitando a elevação. Era muito difícil para um estrangeiro ser admitido como trabalhador, ou então deveria pagar pesadas taxas para exercer o seu ofício.

         Era proibido ficar sem trabalhar. Alguns regulamentos puniam com pena de prisão o companheiro que ficasse três dias sem trabalhar. Desta forma eles precisavam se sujeitar a qualquer condição de trabalho por mais pesada que fosse. E eram pesadas.

         Muito poucos conseguiam algum dia montar a sua própria oficina e se tornarem mestres, não no sentido maçônico, mas no sentido de condutor, professor, mestre de ofício. Geralmente os filhos sucediam o pai e em raras ocasiões a esposa podia assumir a oficina com a morte do marido, mas estava proibida de assumir aprendizes.

         Severas leis e regulamentos prendiam o companheiro ao mestre quase como se fossem trabalhos forçados e em represália a isso a partir do século 13 os trabalhadores na Inglaterra e na França inventaram a greve, como reivindicação de melhores salários e condições de trabalho. Nada diferente do que acontece hoje em dia.

         Associações foram criadas na França como a Compagnonnage e a Steinmatzen na Alemanha. Durante séculos os companheiros também chamados de valet, sergent, servente, oficial ou apenas operário, foram a força de trabalho que remodelou as nações da Europa dando-lhes a feição que tanto admiramos em nossos dias.

         De país para país os regulamentos e os contratos variavam, mas sempre em desfavor dos companheiros e em benefício dos empregadores, os mestres de obra, os proprietários das oficinas. Quando por excepcional habilidade o companheiro se tornava, ele próprio mestre, esquecido dos problemas que viveu passava também a explorar aqueles que lhe eram subordinados.

         Depois da fundação da Grande Loja de Londres e Westminster em 1717 e a adoção do simbolismo dos construtores para a edificação da filosofia maçônica, os graus de aprendiz e companheiro foram adotados ressignificando para a Ordem o sentido daquele que inicia o aprendizado e daquele que domina as ferramentas do ofício para a construção do espírito e da sociedade. O grau de mestre foi criado anos mais tarde numa sociedade de arquitetos e músicos.

         Espero ter dado aos irmãos uma rápida visão histórica da sociedade medieval e de como os companheiros estavam nela inseridos. É um tema que merece muito mais estudos para que possamos entender a evolução da humanidade. Muito obrigado.

 

         Fontes: Aslan, Nicola – A maçonaria operativa – Ed. A Trolha 2008

            Cadernos de Pesquisas n. 18 – Ed. A Trolha 2001

            Bark, William C – Origens da Idade Média Ed. Zahar 1966

            Karr, H. – O ofício do maçom – Ed. Madras 2007

 

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