Um dos solenes compromissos que juramos honrar quando do ingresso nas fileiras desta Augusta e Respeitável Ordem é o de obediência à legislação Maçônica e as Leis do nosso Grande País.
Outro fundamental compromisso é o de auxiliar nossos Irmãos naquilo que for justo.
Dentre tantas obrigações assumidas por um verdadeiro iniciado, estes citados compromissos por vezes parecem se mostrar conflitantes nos corações e mentes de alguns Irmãos.
Na sociedade profana é lugar comum o estereótipo da Maçonaria como uma sociedade de auxílio mútuo irrestrito. Somos muitas vezes tomados por um grupo que acoberta as próprias falhas e procura atenuar as suas conseqüências e isto, além de inaceitável, mostra-se bastante pernicioso para a imagem da Ordem.
É uma "pintura" de nossa Fraternidade que precisa ser apagada e redesenhada com as verdadeiras e nobres matizes, dignas da Arte Real que praticamos.
No entanto, antes de nos empenharmos em aprimorar nossa imagem na sociedade profana, há que se pacificar alguns posicionamentos observados no seio de nossas Oficinas.
Não é raro observarmos um equivoco ou mesmo um conflito entre a necessidade de se fazer cumprir a lei e a falsa ideia de que isto pode se chocar com o sentimento de fraternidade.
Convido os queridos Irmãos a fazerem um exame de consciência e se questionarem por quantas vezes, desde que foram iniciados, voltaram a folhear as páginas de nossa Carta Magna e dos Regulamentos que regem o comportamento em Loja (e fora dela)?
Quantos, ou por desinformação ou mesmo por simples conforto pessoal, imaginam equivocadamente que o “oráculo” das normas é apenas o Irmão Orador? Certamente que este é o Oficial responsável por orientar seus Irmãos, mas não deve ser o único a debruçar-se sobre os textos legais.
Conhecimento implica liberdade, meus Irmãos!
“Conheceis a Verdade e ela vos libertará”, já dizia o Iluminado Mestre de Nazaré. E o estudo e meditação sobre a necessidade do cumprimento de nossas regras passa, necessariamente, por alguns princípios basilares do convívio em qualquer agrupamento humano.
Estarão sendo, nossos Aprendizes, suficientemente informados sobre a importância de se conhecer o Direito Maçônico? Estarão nossos Mestres cônscios de que a Fraternidade legítima não é, em absoluto, obstáculo para a aplicação da lei? São questões que, no nosso modesto entendimento, devem ocupar a mente de um Maçom minimamente comprometido com o teor do seu juramento iniciático.
Legislar não é tarefa trivial, meus Irmãos! Mas um agrupamento social não se perpetua sem regras. E ter ciência destas regras é condição sine qua non para cumpri-las.
Segundo nosso Irmão Albert Pike...
“A FORÇA das pessoas, ou a vontade popular, em ação e manifesta, simbolizada pelo MALHETE, regulada e guiada por e agindo dentro dos limites da LEI e da ORDEM, simbolizada pela RÉGUA DE VINTE E QUATRO POLEGADAS, tem como seu fruto LIBERDADE, IGUALDADE e FRATERNIDADE: liberdade regulada pela lei; igualdade de direitos à vista da lei; irmandade, com seus deveres e obrigações assim como com os seus benefícios.” [1]
Já Platão, em sua cidade-estado idealizada da clássica obra “A República” cita as quatro virtudes cardinais, quais sejam: a Força, a Coragem, a Temperança e a Justiça, preconizando também o princípio da Unidade das Virtudes, ou seja, que estas virtudes são indissociáveis, não podendo o homem ser portador apenas de uma delas.
Fazendo um paralelo com a filosofia de nossa Ordem, de nada adiantaria a Força sem um cinzel habilidoso e um sábio direcionamento. Tampouco a beleza sedimentada em fracas bases ou mesmo a sabedoria sem um veículo enérgico e ao mesmo tempo harmônico de manifestação.
Em suma, a aplicação da Justiça a terceiros implica a Força e a Coragem de enfrentá-la também numa eventual situação de réu e, com o auxílio da Temperança, estar pronto a enfrentar as conseqüências dos próprios atos.
Igualmente o cumprimento da legislação, firmado em juramento, em nada afeta a verdadeira fraternidade, pois, via de regra, duas possibilidades bastante distintas se afiguram:
Uma, no caso do Maçom que se mantêm entre as duas paralelas que tangenciam o ponto dentro do círculo, poderoso símbolo retratado em nossos painéis, ou seja, que se esmera na trilha do caminho reto e que, por esta postura, dificilmente será alcançado por penalidades administrativas ou mesmo pelo braço forte da Justiça Maçônica.
Outra, no caso do Irmão que, por quaisquer razões ou contingências, transgrida alguma das regras de conduta Maçônica (ou até mesmo profana). Não sendo ele usuário do simbólico “Anel de Giges”, este expressivo mito platônico, buscará a reparação para o seu deslize sejam quais forem as conseqüências.
Certamente estamos todos passíveis de errar e a grandeza de caráter reside justamente no enfrentamento das conseqüências do erro e no aprendizado dele decorrente. Ademais nenhum rancor ou mágoa deve ser direcionado a um Irmão investido do papel de fazer cumprir a legislação conquanto, nesta condição, simplesmente faz valer seu compromisso para com a Ordem e, quando me refiro ao termo “Ordem” é na sua concepção o mais universalista e menos provinciana possível.
Com o decorrer do tempo é absolutamente natural que a interação entre os Irmãos de uma mesma Oficina fortaleça os laços da Irmandade e o real sentido de nos reconhecermos como Irmãos salta aos olhos. Mas uma questão precisa ser destacada:
Que verdadeiro Maçom deixaria seu Irmão em uma situação difícil ou constrangedora? Antes não seria mais louvável aliviar o seu coração e estimulá-lo a cumprir seu dever mesmo em detrimento de si próprio? Estamos prontos para assumir realmente as conseqüências de nossas ações e omissões? Estamos realmente preparados, fortes, encorajados e com a necessária temperança para subjugar nossa tendência à autodefesa irrestrita e glorificar a aplicação da justiça mesmo que sua espada esteja sobre nossas cabeças?
Ou continuaremos (perdoem-me a generalização) com a tendência de lançar mão da malfadada frase, símbolo não da tolerância, mas da permissividade:
“Aos amigos tudo e aos inimigos a lei” ?
Agradeço imensamente a atenção dos Irmãos e a oportunidade de partilhar estas reflexões.
Que o G:.A:.D:.U:. a todos ilumine e guarde em nossa caminhada.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
[1] - PIKE, ALBERT – MORAL E DOGMA DO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO DA MAÇONARIA – GRAUS SIMBÓLICOS, Livraria Maçônica Paulo Fuchs – São Paulo – SP.
[2] – FELLINI, JULIANO – O ANEL DE GIGES: VIRTUDE E VISIBILIDADE. http://www.espacoacademico.com.br/096/96fellini.htm
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