Michael Winetzki, MI, 33º
Em uma nação que se gaba de sua miscigenação racial, da convivência harmônica entre as diversas etnias e onde mais da metade da população se auto declara negra ou parda (Segundo o Censo 2022 do IBGE, 55,5% da população brasileira se autodeclara parda ou preta) apenas um único político afrodescendente ocupou a presidência do Brasil, Nilo Procópio Peçanha, que assumiu a Presidência da República após o falecimento de Afonso Pena, em 14 de junho de 1909 e governou até 15 de novembro de 1910.
O distrito do Morro do Coco em Campos dos Goytacazes foi o berço de nosso biografado que nasceu de família pobre em 2 de outubro de 1867. Seus pais foram o Sebastião de Sousa Peçanha, o “Sebastião da padaria” e Joaquina Anália de Sá Freire. A família viveu em um sítio naquele distrito até Nilo chegar a idade escolar, quando mudou-se para a cidade. Em diversas ocasiões, ao relatar a pobreza de sua infância ele dizia "ter sido criado com pão dormido e paçoca".
Fez os estudos preliminares no Liceu de Humanidades em Campos, prosseguiu no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro. Iniciou seu curso de graduação na Faculdade de Direito de São Paulo e se formou na Faculdade de Direito do Recife com apenas 20 anos de idade.
Um escândalo social que marcou a época foi o seu casamento com a bela, rica e aristocrática "Anita", Ana de Castro Belisário Soares de Sousa, que fugiu de casa para casar com o pobre mulato, "o mestiço do Morro do Coco". Ela pertencia a famílias ricas e aristocráticas da região sendo neta do Visconde de Santa Rita e bisneta do Barão de Muriaé e do primeiro Barão de Santa Rita. O casal teve quatro filhos, porém todos faleceram ainda crianças e esteve junto por toda a vida de Nilo.
Como ativo abolicionista e republicano lançou-se na política criando o Clube Republicano em sua cidade. O país implementava a república e o jovem advogado encontrava terreno fértil para expor as suas ideias. Foi eleito em 1890, aos 24 anos de idade, para a Assembleia Constituinte. Em 1903 foi eleito senador e depois presidente do Estado do Rio de Janeiro, (equivalente ao cargo de governador do estado), permanecendo no cargo até 1906.
Como presidente do Estado do Rio de Janeiro, assinou, em 26 de fevereiro de 1906, o Convênio de Taubaté, um plano de intervenção estatal na cafeicultura brasileira, cujo objetivo era o de promover a elevação dos preços do produto e assim, assegurar os lucros dos cafeicultores. Esse plano valorizou o principal produto de exportação do Brasil na época e catapultou o desenvolvimento de São Paulo. Quatro dias após o Convênio de Taubaté, em 1 de março de 1906, foi eleito vice-presidente da república na chapa de Afonso Pena, com 272.529 votos.
Com a morte de Afonso Pena em 1909, tornou-se o sétimo presidente do Brasil. Durante o seu mandato, a campanha eleitoral para a presidência da República de 1910 tornou-se uma feroz disputa entre os candidatos Hermes da Fonseca, sobrinho do ex-presidente Deodoro da Fonseca e Rui Barbosa. Paulistas e mineiros, que durante anos estiveram unidos fazendo a "política do café com leite", se encontravam em lados opostos. Hermes da Fonseca foi apoiado por Minas Gerais, pelo Rio Grande do Sul e pelos militares, enquanto o candidato Rui Barbosa recebeu o apoio de São Paulo e da Bahia. A campanha de Rui Barbosa ficou conhecida como "campanha civilista", ou seja, como uma oposição civil à candidatura militar de Hermes da Fonseca. Nilo apoiou Hermes da Fonseca e rompeu com Pinheiro Machado, líder do Partido Republicano Conservador, o que gerou grande agitação na política da época. Hermes da Fonseca venceu as eleições.
Nos 17 meses de sua presidência Nilo Peçanha criou o Ministério da Agricultura, Comércio e Indústria, reformou os Correios e criou o o Serviço de Proteção aos Índios (SPI, antecessor da Funai), entregue à direção do tenente-coronel Candido Mariano Rondon, que expandiu a rede telegráfica.
Fortemente focado em educação criou também as Escolas de Aprendizes e Artífices, uma política pública educacional voltada às populações menos favorecidas. que foram as precursoras dos atuais Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), e por esta razão Nilo Peçanha é o patrono da educação profissional e tecnológica no Brasil.
Na época de Peçanha, o Brasil era um país rural, com cerca de dois terços dos pouco mais de 23 milhões de habitantes morando no interior. Milhares de negros libertos da escravidão, sem formação profissional e sem acesso à educação, acorriam às cidades, percorrendo as ruas em busca de modestos trabalhos que lhes permitissem a sobrevivência. Famílias afluentes mandavam seus filhos para estudar em capitais como São Paulo, Recife e Rio de Janeiro. Os ricos os enviavam para estudar na Europa.
Para o professor Paulo Roberto Wollinger, estudioso da educação profissional e tecnológica e professor aposentado do IFSC, Nilo Peçanha pode ser considerado um herói nacional:
“Ele criou escolas técnicas que ensinavam as letras e as artes, ou a formação propedêutica e a profissional. Também criou a primeira ação inclusiva, ou norma de cotas, na educação brasileira, pois queria garantir que os pobres tivessem acesso a uma escola de qualidade...Nilo Peçanha tinha essa clareza. Ele era pobre, negro, filho de trabalhadores e tinha essa visão de inclusão, a noção de que ter um trabalho, saber um ofício, era uma conquista de vida. Só que a maioria das pessoas que tinham acabado de sair da escravidão não tinham recurso nenhum. Não receberam ajuda como aconteceu com os imigrantes europeus que vieram trabalhar no Brasil. E foi essa a revolução que ele começou quando criou as 19 escolas de aprendizes artífices, uma em cada estado brasileiro [na época só havia 19 estados]. Modelo que foi depois copiado em vários estados da federação, com a criação de escolas técnicas com educação propedêutica e profissional. Nilo Peçanha criou um modelo de educação genial para a autonomia da classe trabalhadora”.
Encerrado seu mandato presidencial é novamente eleito senador em 1912 e, dois anos depois, elegeu-se presidente do Estado do Rio de Janeiro. Renunciou a este cargo em 1917 para assumir o Ministério das Relações Exteriores.
Durante a primeira Guerra Mundial, embora o Brasil fosse um país neutro, embarcações alemãs afundaram o vapor Paraná, uma de nossos maiores navios, causando a morte de três brasileiros e a perda da carga de café, o principal produto de exportação. Quando a notícia chegou houveram exaltadas manifestações populares nas capitais. O Brasil declarou guerra à Alemanha, o ministro de relações exteriores, Lauro Müller, de origem alemã foi obrigado a renunciar e Nilo Peçanha instado a assumir o Ministério das Relações Exteriores durante o conflito, renunciando ao cargo que ocupava.
Nilo Peçanha foi maçom ativo e de 23 de julho de 1917 a 24 de setembro de 1919 ocupou o cargo de Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil.
Em 1918, mais uma vez elegeu-se senador federal. Três anos depois, em 1921, foi candidato a presidente da República pelo Movimento Reação Republicana, que tinha como objetivo contrapor o liberalismo político à política das oligarquias estaduais. A campanha transcorreu em nível acalorado com insultos ao ex-presidente Hermes da Fonseca e a Nilo Peçanha que era chamado pejorativamente de "mulato". Embora fosse apoiado por políticos pernambucanos, baianos, gaúchos e fluminenses e boa parte dos militares, foi derrotado por Artur Bernardes nas eleições de 1º de março de 1922.
Aos 56 anos, em 1924, Nilo Peçanha falece no Rio de Janeiro, já afastado da vida pública, sendo sepultado no cemitério S. João Batista. Após sua morte, seguidores do ex-presidente passaram a ser chamados de “Niilistas”. Em sua homenagem foram denominadas as cidades de Nilópolis no Rio de Janeiro e Nilo Peçanha, na Bahia, assim como uma grande quantidade de escolas em todo o país.
Comments